Causa de inelegibilidade e trânsito em julgado - 3
É aplicável a alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/1990 (1), com a redação dada pela LC 135/2010, a fatos anteriores a sua publicação.
Essa é a orientação firmada pelo Plenário ao apreciar recurso extraordinário em que discutida a incidência da causa de inelegibilidade prevista no referido dispositivo legal, à hipótese de representação eleitoral julgada procedente e transitada em julgado antes da entrada em vigor da LC 135/2010, que aumentou de 3 para 8 anos o prazo de inelegibilidade.
Na espécie, o recorrente foi declarado inelegível, por 3 anos, em decisão transitada em julgado em 2004, com fundamento na redação originária do art. 1°, I, “d”, da LC 64/1990. Posteriormente, teve seu registro indeferido, em razão do aumento do prazo da inelegibilidade constante da alteração promovida pela LC 135/2010 (Informativos 807 e 879).
Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de, não obstante pedido de desistência e circunstância de prejudicialidade do recurso, continuar no exame da tese de repercussão geral, que não incidirá no caso concreto. Vencidos, no ponto, os ministros Ricardo Lewandowski (relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
No mérito, a Corte julgou prejudicado o recurso e, por maioria, considerou que, verificado o exaurimento do prazo de 3 anos, previsto na redação originária, por decisão transitada em julgado, é possível que o legislador infraconstitucional proceda ao aumento dos prazos, o que impõe que o agente da conduta abusiva fique inelegível por mais 5 anos, totalizando os 8 anos, sem que isso implique ofensa à coisa julgada, que se mantém incólume.
Anotou que a inelegibilidade ostenta natureza jurídica de requisito negativo de adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral. Logo, não existe caráter sancionatório ou punitivo das hipóteses de inelegibilidade veiculadas na LC 64/1990.
Nesse sentido, a decisão que reconhece a inelegibilidade somente produzirá seus efeitos na esfera jurídico-eleitoral do condenado se este vier a formalizar registro de candidatura em eleições vindouras, ou em recurso contra a expedição do diploma, em se tratando de inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes.
Quando a LC 64/1990 se utiliza da palavra “representação” como instrumento para viabilizar a abertura de ação de investigação judicial, a norma o faz expressamente. É o caso do art. 22, “caput” (2), que dispõe a respeito da representação ajuizada especificamente para pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social. Assim, é substancial a diferença entre essa regra e o disposto na alínea “d”, em que não há menção a nenhum pedido ou ação específica, mas apenas às causas de pedir “abuso de poder político e econômico”.
Por consequência, o vocábulo “representação” contido na alínea “d” deverá ser aplicado com significação que cumpra a finalidade da norma, de afastar da vida pública políticos condenados por abuso de poder político e econômico.
Além disso, o pretenso candidato condenado pelo art. 22, XIV (3), ainda assim estaria inelegível por força da incidência do art. 1º, I, “d”, da LC 64/1990, mesmo que eventualmente a decisão judicial não cominasse a sanção de inelegibilidade no título judicial. É suficiente, para assentar a inelegibilidade, a prática abusiva de poder.
Em suma, a extensão dos prazos de inelegibilidade do art. 22, XIV, da LC 64/1990, justamente porque não versa sanção, não revela ofensa à retroatividade máxima, de ordem a fulminar a coisa julgada, mesmo após o exaurimento dos 3 anos inicialmente consignados na decisão judicial passada em julgado que reconhece a prática de abuso de poder político ou econômico. Trata-se de exemplo de retroatividade inautêntica ou retrospectividade.
Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Celso de Mello, que entenderam inaplicável a alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, na redação dada pela LC 135/2010, a fatos anteriores à publicação desta lei.
Destacaram que o prazo de inelegibilidade de 3 anos estabelecido pela Justiça Eleitoral nos autos de ação de investigação judicial eleitoral seria parte integrante da decisão de procedência. Por conseguinte, quando já integralmente cumprida, estaria completamente acobertada pela garantia fundamental da proteção à coisa julgada formal e material. Assim, o referido prazo, decorrente da cominação judicial de inelegibilidade, teria integrado, de forma indissociável e definitiva, o título judicial.
Em seguida, o julgamento foi suspenso para posterior apreciação de proposta de modulação dos efeitos apresentada pelo relator e a fixação da tese de repercussão geral.
(1) LC 64/1990: “Art. 1º. São inelegíveis: I - para qualquer cargo: ... d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”.
(2) Lei Complementar 64/1990: “Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
(3) Lei Complementar 64/1990: “Art. 22. ... XIV - julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;”
RE 929670/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.10.2017. (RE-929670)
1ª Parte :
2ª Parte :
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Decisão no Informativo 880 do STF - 2017
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